O "Comunicações ou Não" é uma experiência a solo na blogosfera da área da comunicação. Como "tudo é comunicação", apesar de ser um local para reflexão sobre o mercado da comunicação, poderão existir incursões por outras áreas.

Wednesday, May 02, 2012

Doces hipocrisias

Era uma vez um sítio do costume. Que tinha na sua comunicação a soberba de assumir “sem promoções, talões ou complicações”. Mais, como amigo do ambiente, reduziram a utilização dos sacos de plástico. Próximo da produção nacional, diminuiu o prazo de pagamento aos pequenos produtores. E, do cimo da sua superioridade moral, dava conselhos aos portugueses, de como se deveria trabalhar mais e melhor, pelo meio criticando todos, especialmente a classe política.

Só que ao sítio do costume não basta sê-lo. Também é preciso parecê-lo. E ontem caiu por terra mais uma afirmação de superioridade moral. Sem “promoções ou complicações”? Não vou perder tempo a discutir a possibilidade de dumping. Não a ponho em causa mas também não vou afirmar seguramente que isso aconteceu (haverá por aí muito produtor que chorará muito tempo pelos preços promocionais que “acedeu” fazer). Mas 50% de desconto não é uma “promoção”. É desbaratar. E em relação a “complicações”, bastará ver o que a PSP tem a dizer sobre os acontecimentos.

O sítio do costume fidelizou clientes? Aumentou o número de clientes habituais? Garantiu futuras visitas e compras? Isso é algo que veremos num futuro próximo, mas confesso que tenho as minhas dúvidas. Uma coisa é certa. A acção de ontem atirou para o caixote do lixo o posicionamento dos últimos anos. A próxima vez que ouvir mais uma irritante música a falar mal das promoções, dos talões e afins, afirmando preços baixos todo o ano, não poderei deixar de rir. É que as hipocrisias dão-me para isso: Rir.

Como rirei cada vez que ler que o sítio do costume é amigo do ambiente. Poupar milhões de Euros em sacos de plástico que deixaram de ser oferecidos para serem suportados pelos clientes reduz, de facto, a quantidade de sacos de plástico no ambiente. Mas reduz também, e muito, os custos. Porquê não assumir isso, disfarçando a coisa apenas na enorme amizade que temos pelo ambiente? É que quem é amigo do ambiente tenta também, dentro do possível, perceber o que é a comercialização de pesca sustentável. Não manda prender os activistas das organizações ambientais que a defende (por muito que também não goste das acções dessas organizações ambientais).

E ser amigo da produção nacional, reduzindo os prazos de pagamento, é bonito. Mas ser acusado pela produção nacional de estrangulamento da mesma, com acusações de importações com dumping à mistura, não é contra-senso? E, voltando à promoção dos 50%, tenho tantas dúvidas que a produção nacional tenha achado piada ao assunto…

Os donos do sítio do costume continuam a gozar de boa imprensa (basta ler o que se escreveu sobre a deslocação para a Holanda para perceber isso). Mas a comunicação começa a dar sinais de desgaste. E as incoerências e contradições de posicionamento começam a ganhar relevância na opinião pública (não na publicada). Acredito que, se não forem tomadas medidas rapidamente (que não a já fatigada entrevista de esclarecimento do Presidente – recorrente nos últimos tempos), da opinião pública à publicada seja uma questão de tempo (como se poderá ver nas opiniões públicas de inúmeros jornalistas nas redes sociais).

As práticas são ilegais? São ilegítimas? Não. Quero acreditar que não. O que é hipocrisia é manter um discurso de altivez e superioridade moral sobre os demais e ter uma praxis que desce mais baixo que muito do praticado pelo mercado. Nestes casos, prefiro aqueles que ou não se armam em superiores mas que são coerentes entre o que dizem e o que fazem. 

(Nota: Como não sou hipócrita, como o sítio do costume, não vou dizer que vou boicotar o que quer que seja. Há lojas, algumas, de que gosto muito, produtos, alguns, de que gosto muito e funcionários, alguns, muito simpáticos dando gosto no atendimento. E estes “alguns” valem muito mais que as doces hipocrisias dos “outros”).